domingo, 23 de agosto de 2009

Visita de Inspecção pelo 2º Cmdt do BC 114

A visita do Comandante da Companhia, já alertado pelo Cmdt do Destacamento das péssimas condições de alojamento do pessoal, veio confirmar essa difícil situação, que relatou ao Comando do Batalhão, dando ocasião a nova visita de inspecção, agora levada a efeito pelo 2º Comandante do BC 114, Major Balula Cide.

Aqui vemos junto ao grande Rio Zambeze, antes de iniciar a travessia, sempre aventurosa, da direita para a esquerda: Maj Balula Cide, Administrador de Posto de Lumbala, Cap Falcão, Alferes Lima Barreto, comandante da patrulha de escolta, dois soldados com remos (xilapos), que fazem de barqueiros e outros dois elementos da comitiva, não identificados.
Em consequência desta visita de inspecção, elaborou o Inspector o seguinte relatório que seria o ponto de partida para a construção do Novo Quartel de Lumbala, na Margem esquerda do Zambeze, perto da estrada para Caripande e do futuro aeroporto ou pista de aterragem de aeronaves, por enquanto ainda só em projecto.

Com esta decisão foi fundada a povoação de LUMBALA NOVA, por oposição a Lumbala Velha, na margem direita do grande Zambeze.

Para ler o relatório faça zoom clicando sobre a imagem, p.f.

Primeira visita do Cmdt da CC 115 a Lumbala

Em meados de Junho de 1962 o Comandante da Companhia de Caçadores 115, sediada em Cazombo, visitou o 3ºPelotão destacado em Lumbala, para se inteirar das condições de alojamento e tratar de outros assuntos relativos à parte operacional.

Dado o bom relacionamento que já se verificava com a autoridade administrativa e com as autoridades tradicionais, (chamadas então gentílicas ou indígenas), foram todos convidados a comparecer à recepção ao Senhor Capitão Alípio Emílio Tomé Falcão que se fez acompanhar de sua Esposa D. Lola Falcão. Compareceram pelo menos uma boa dúzia de Sobas, desde o Kakengue de Chilombo, (Luena ou Caluvale), até ao grande Soba Xinde de Calunda e Macondo, (Quiôco ou Catchôque). Estes dois grandes Sobas, juntamente com a Soba de Lumbala, fizeram com que facilmente os outros Sobas menores lhes seguissem o exemplo, comparecendo em grande número.

Aqui vemos o Capitão Falcão cumprimentando o Soba Xinde que lhe é apresentado pelo Administrador do Posto de Lumbala, Sr. Santana.

Aqui cumprimenta os Ganguelas: depois de ter cumprimentado o Ganguela do Soba Xinde,( de fato escuro ao centro), cumprimenta o Ganguela do Soba Caquengue, (vestindo de branco), sempre com apresentação do Administrador de Posto. Kamangala, assim se chamava este Ganguela, era uma individualidade preponderante entre os povos das margens do Zambeze: Kilombo ou Xilombo, sede do sobado de Kakengue, era um entre-posto importante de comércio de peixe sêco, fuba (mandioca), mel cêra e peles, etc, predominando o peixe sêco exportado para o Congo e Katanga.

Depois estavam os populares e seguiu-se como que a parte lúdico-religiosa da recepção, com a apresentação dos "Muquixe", dois figurantes alegóricos, representando as forças da natureza e animistas ou mesmo do bem e do mal, que fazem parte da cultura destes povos.
Os nativos tem grande respeito, senão mêdo, por estas figuras aterrorizadoras.
Os soldados e os guardas fiscais do Posto de Caripande, que também compareceram, misturam-se com os "Muquixe", sem receio dos seus malefícios. Se fosse apenas uma figura seria um R'iquixe, no singular, como são duas, plural, Muquixe.
Esta circunstância da formação do plural das palavras com o prefixo "m", leva-me a fazer a interpretação do nome da cidade de "MAPUTO". PUTO é Portugal, Maputo=Portugueses.
A palavra "maputo" de origem gentílica ou autoctune, deverá ter surgido quando dos primeiros contactos dos portugueses, (maputo, plural), com os povos locais.

Depois seguiu-se a aventura da travessia do Rio Zambeze, que o Capitão Falcão e o Chefe Costa da Guarda Fiscal parecem enfrentar com grande àvontade, enquanto a D. Lola e a Soba de Lumbala, (anfitriã, no caso), ocupam os seus lugares sentadas a meio da jangada de duas canôas.
Atente-se que a canôa ainda está atracada na margem, logo que largue os destemidos passageiros irão sentar-se também.

Chegados à margem direita do Grande Rio, onde uma grande multidão de populares dos Quimbos vizinhos os aguardava, percorrem, a pé umas centenas de metros até ao Posto Administrativo e à palhota que servia de aquartelamento.

Aqui aguardava o Pelotão (-) em formatura, que prestou a continência ao seu Comandante de Companhia, honra militar que lhe era devida nessa mesma qualidade.
Seguiu-se a visita e revista ao "aquartelamento" e os cumprimentos no Posto Administrativo.

Nota: O Noca não aparece nas fotografias porque, além de ser o Comandante do Destacamento, portanto com a responsabilidade por que tudo decorre bem, era também o fotógrafo de serviço, pelo que não pôde figurar nas imagens captadas.

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Escola de Lumbala - Relação onomástica dos alunos

Com o esforço de todos conseguiu-se um espaço coberto a capim e com paredes de pau a pique com cascas de árvore entrelaçadas, devidamente revestidas com barro e capim, a que se convencionou chamar "A Escola de Lumbala".

Na foto seguinte o Noca, comandante do destacamento, numa das frequentes visitas à escola, verifica do aproveitamento dos alunos.





RELAÇÃO ONOMÁSTICA DOS ALUNOS QUE FREQUENTARAM A ESCOLA DA TROPA EM LUMBALA DE JULHO DE 1962 até MAIO/JUNHO DE 1963, DATA DA RENDIÇÃO DA CC 115



As imagens são medíocres. Não consegui melhor porque o suporte em papel está muito deteriorado. Para mais fácil leitura faça zoom clicando sobre a imagem.









NOTA: Seria muito interessante saber o que aconteceu a estes rapazes e raparigas: se sobreviveram à guerra o que fazem e onde se encontram.



Aqui fica um apêlo a quem possa dar alguma pista que nos leve a contactá-los. Aqui estão os nomes por que eram conhecidos em 1962 e os nomes dos respectivos pais.

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

A Escola de Lumbala - Ginástica

Depois de construído o coberto a que se convencionou chamar escola e para isso servia, foi limpa de capim uma área que servia de recreio e campo de futebol. Aí eram praticadas todas as actividades de tempos livres, "ATL", e as aulas de ginástica, ministrada com toda a mestria pelo Cabo BOLRÃO.

Se clicar sobre a foto poderá distinguir com mais nitidez, a presença do Cabo BOLRÃO e as balizas do campo de futebol ao fundo.
Recordo que todas as fotografias foram tiradas sem qualquer preparação prévia, isto é, foram tiradas durante a execução normal dos exercícios, sem paragens ou pose para a fotografia.

A caixa postada à frente da formação da escola de ginastas é bem o símbolo da disciplina e do ritmo com que todos executavam os exercícios. É bem conhecida a atracção dos povos africanos pelo ritmo dos batuques e tambores e a magia que atribuem a esse tipo de instrumento de percussão.




Repare-se nos alinhamentos perfeitos dos muitos elementos da escola, que são mais de 70.

A CC 115 na CONTRA SUBVERSÃO -I

A primeira fase da guerra de guerrilha é a da subversão das ideias dominantes na população, através da doutrinação das ideias novas, impostas pelos guerrilheiros para criarem entre a população o ambiente propício para eles próprios sobreviverem e mais tarde, numa segunda fase, obrigarem essa mesma população a aderir à sua causa.
Fazia parte da missão da CC 115, evitar que na sua zona de acção, o Alto Zambeze, o inimigo desse início a essa fase, pois até ali, não se conheciam actividades inimigas nesse sentido.
Por esse motivo a acção da tropa orientou-se de modo a obter o melhor conhecimento das populações nativas, das suas necessidades mais prementes e promoção de acções sócio educativas.
Para o 3º Pelotão sediado em Lumbala, tudo começou durante o mês de Junho de 1962.
Para conhecer a real situação e intenções das populações que rodeavam o aquartelamento, o comandante do pelotão começou a visitar, nos "Quimbos" circundantes, as pessoas, que encontrava invariavelmente em pequenos grupos, sentadas debaixo de árvores ou em volta de uma fogueira, a conversar. "KUTUAMO KUTXICAMA!" (SENTADO A CONVERSAR!- Como diziam), e com M’Topa na M’Saca. (inspiração do fumo de “erva” queimada numa espécie de cachimbo – m’topa – filtrado através da água contida numa cabaça – m’saca).
Os Luenas e Quiocos são povos pacíficos e muito sociáveis. A terra é fértil, produzindo bens alimentares com abundância sem grande trabalho, que aliás é incumbência das mulheres. Os homens são polígamos.
É conhecido o percurso dos jovens: em idade de constituir família, partiam para a África do Sul, para as minas, onde trabalhavam duramente até obterem dinheiro suficiente para regressar aos seus Quimbos, bem vestidos, de óculos escuros, fazendo-se transportar numa "kinga", (bicicleta), dotada de espelhos retrovisores de ambos os lados, com panos e algum dinheiro para pagar o "alambamento" do maior número de mulheres possível, no mínimo duas.
E depois de conseguidos estes objectivos, o que é que os esperava? "KUTUAMO KUTXICAMA!" (SENTADO A CONVERSAR!) e "VISITAR A FAMÍLIA". Isto é, enquanto as mulheres cuidam da vida doméstica e agrícola, os homens convivem e visitam a família.
Nestas prospecções pelos Quimbos, serviu de guia um garoto de cerca de doze anos, Francisco, única pessoa que falava português, alem do Chefe do Posto Administrativo e do comerciante Pires (único branco). O Francisco aprendera português na missão católica de Cazombo, que frequentara.


Este é o Francisco, rapaz de 12 anos, que foi grande ajuda do Cmdt do Destacamento de Lumbala, nos primeiros contactos com as populações locais, servindo de intérprete e ensinando as primeiras palavras em Luena.
Era exímio no manuseamento do arco e das flechas com que aqui faz uma correcta pose.

Uma colecção de setas com as várias pontas de corte ou perfuração conforme o fim ou tipo de caça a que se destinam.

De Quimbo em Quimbo e de palhota em palhota, foram contactados os mais diversos tipos de pessoas, homens, mulheres, velhos e crianças. Desde pessoas com doenças estranhas tais como a elefantíase, até antigos militares do exército colonial do princípio do século XX, quando da ocupação desta zona, para delimitação e demarcação das fronteiras, (expedição de Gago Coutinho e outros).
Entre as várias questões abordadas com as populações, uma vinha sempre ao decima: A ESCOLA.
Todos, sem excepção, incluindo as próprias crianças, sobretudo as mais crescidas, lamentavam a falta da escola.
Então aparecia a pergunta natural: se a tropa fizesse uma escola, vocês mandavam para lá as vossas crianças?
Invariavelmente a resposta era afirmativa.


A ESCOLA DA TROPA em LUMBALA

Consultados os elementos do Pelotão que se afiguravam mais vocacionados e voluntariosos para assumir a tarefa do ensino, ficou assente que o 1º Cabo RD AGOSTINHO BRANCO BOLRÃO, chefiaria uma equipa de 3 a 4 elementos, que dariam início àquilo que foi o embrião da Escola da Tropa em Lumbala.
No princípio eram 5 alunos: três rapazes e duas raparigas, debaixo de uma árvore, sentados num tronco derrubado. Não havia qualquer material escolar, só mais tarde apareceriam algumas ardósias e um quadro escolares.

Esta foto de grupo foi uma das primeiras em que figuram crianças da escola que funcionava debaixo de uma árvore. Aquele barracão em fundo, coberto de capim, era o abrigo da 3ª secção de caçadores que permanecia na margem esquerda do rio, guardando as viaturas. Repare-se na posição do Cabo BOLRÃO: está a chamar a atenção das crianças para que olhem para o fotógrafo - era o seu lado perfeccionista de fazer as coisas. E as crianças estão com a maior compostura!

Aqui já eram mais de meia dúzia e já havia uma sombra com ramos de árvore sobre espeques. O 1º Cabo 350/RD, Bolrão, o 1º Cabo 1576/60, Monteiro e o soldado Tancredo, foram os primeiros professores

Em breve o número de rapazes cresceu. Não havia local minimamente satisfatório para recolher os alunos. Inicialmente debaixo da árvore, depois foi uma palhota pequena e mais tarde, um espaço maior, tudo construído por improvisação e iniciativa dos militares

Enquanto uns davam início à construção de um espaço compatível com o número de alunos que se previa crescer a curto prazo..........

....outros continuavam a tarefa de ensinar as crianças a conviver e a brincar, nos tempos livres, que entremeavam com a aprendizagem do português e outras disciplinas escolares

Entre os 7 e os 15 anos de idade, o número de alunos depressa cresceu até atingir as oito dezenas. Oitenta e quatro, foi exactamente o número máximo de alunos da escola.
Inicialmente estas crianças não sabiam uma palavra em português, mas a dinâmica imposta pelo 1º Cabo Bolrão e sua equipa, foi tal que, em breve, todos entendiam e se faziam entender na língua de Camões. O entusiasmo era tal que alguns alunos mais fervorosos, chegaram a "bater" em colegas que insistiam em falar a sua língua materna, para que falassem português. Foi comovedor ver um rapaz mais crescido de seu nome TCHINHAMA a incitar, até com alguma violência, de imediato reprimida, outro mais pequeno, com a seguinte invectiva: "andgica puto!", isto é "fala português!".
Além dos progressos na língua, falada e escrita, foram notáveis os progressos na aritmética e na ginástica.
Quanto à aritmética, verificou-se que, ao fim de cerca de 9 meses, tantos foram os que os 2º e 3º Pelotões permaneceram em Lumbala, a maior parte dos 84 alunos (número máximo atingido), ficaram a saber não só as 4 operações aritméticas, mas adquiriram sólidos conhecimentos sobre números decimais e fraccionários, executando facilmente as quatro operações com estes números.
Foi um autêntico êxito, o que a equipa do 1º Cabo Branco Bolrão conseguiu em tão pouco tempo.

Relativamente à ginástica: era um prazer ver a escola masculina actuar em exercícios de ginástica, com movimentos correctos e sincronizados, que faziam inveja a uma experimentada classe de ginástica muito evoluída.

A esse tema dedicaremos o próximo post..