A primeira fase da guerra de guerrilha é a da subversão das ideias dominantes na população, através da doutrinação das ideias novas, impostas pelos guerrilheiros para criarem entre a população o ambiente propício para eles próprios sobreviverem e mais tarde, numa segunda fase, obrigarem essa mesma população a aderir à sua causa.
Fazia parte da missão da CC 115, evitar que na sua zona de acção, o Alto Zambeze, o inimigo desse início a essa fase, pois até ali, não se conheciam actividades inimigas nesse sentido.
Por esse motivo a acção da tropa orientou-se de modo a obter o melhor conhecimento das populações nativas, das suas necessidades mais prementes e promoção de acções sócio educativas.
Para o 3º Pelotão sediado em Lumbala, tudo começou durante o mês de Junho de 1962.
Para conhecer a real situação e intenções das populações que rodeavam o aquartelamento, o comandante do pelotão começou a visitar, nos "Quimbos" circundantes, as pessoas, que encontrava invariavelmente em pequenos grupos, sentadas debaixo de árvores ou em volta de uma fogueira, a conversar. "KUTUAMO KUTXICAMA!" (SENTADO A CONVERSAR!- Como diziam), e com M’Topa na M’Saca. (inspiração do fumo de “erva” queimada numa espécie de cachimbo – m’topa – filtrado através da água contida numa cabaça – m’saca).
Os Luenas e Quiocos são povos pacíficos e muito sociáveis. A terra é fértil, produzindo bens alimentares com abundância sem grande trabalho, que aliás é incumbência das mulheres. Os homens são polígamos.
É conhecido o percurso dos jovens: em idade de constituir família, partiam para a África do Sul, para as minas, onde trabalhavam duramente até obterem dinheiro suficiente para regressar aos seus Quimbos, bem vestidos, de óculos escuros, fazendo-se transportar numa "kinga", (bicicleta), dotada de espelhos retrovisores de ambos os lados, com panos e algum dinheiro para pagar o "alambamento" do maior número de mulheres possível, no mínimo duas.
E depois de conseguidos estes objectivos, o que é que os esperava? "KUTUAMO KUTXICAMA!" (SENTADO A CONVERSAR!) e "VISITAR A FAMÍLIA". Isto é, enquanto as mulheres cuidam da vida doméstica e agrícola, os homens convivem e visitam a família.
Nestas prospecções pelos Quimbos, serviu de guia um garoto de cerca de doze anos, Francisco, única pessoa que falava português, alem do Chefe do Posto Administrativo e do comerciante Pires (único branco). O Francisco aprendera português na missão católica de Cazombo, que frequentara.
Este é o Francisco, rapaz de 12 anos, que foi grande ajuda do Cmdt do Destacamento de Lumbala, nos primeiros contactos com as populações locais, servindo de intérprete e ensinando as primeiras palavras em Luena.
Era exímio no manuseamento do arco e das flechas com que aqui faz uma correcta pose.
Uma colecção de setas com as várias pontas de corte ou perfuração conforme o fim ou tipo de caça a que se destinam.
De Quimbo em Quimbo e de palhota em palhota, foram contactados os mais diversos tipos de pessoas, homens, mulheres, velhos e crianças. Desde pessoas com doenças estranhas tais como a elefantíase, até antigos militares do exército colonial do princípio do século XX, quando da ocupação desta zona, para delimitação e demarcação das fronteiras, (expedição de Gago Coutinho e outros).
Entre as várias questões abordadas com as populações, uma vinha sempre ao decima: A ESCOLA.
Todos, sem excepção, incluindo as próprias crianças, sobretudo as mais crescidas, lamentavam a falta da escola.
Então aparecia a pergunta natural: se a tropa fizesse uma escola, vocês mandavam para lá as vossas crianças?
Invariavelmente a resposta era afirmativa.
A ESCOLA DA TROPA em LUMBALA
Consultados os elementos do Pelotão que se afiguravam mais vocacionados e voluntariosos para assumir a tarefa do ensino, ficou assente que o 1º Cabo RD AGOSTINHO BRANCO BOLRÃO, chefiaria uma equipa de 3 a 4 elementos, que dariam início àquilo que foi o embrião da Escola da Tropa em Lumbala.
No princípio eram 5 alunos: três rapazes e duas raparigas, debaixo de uma árvore, sentados num tronco derrubado. Não havia qualquer material escolar, só mais tarde apareceriam algumas ardósias e um quadro escolares.
Esta foto de grupo foi uma das primeiras em que figuram crianças da escola que funcionava debaixo de uma árvore. Aquele barracão em fundo, coberto de capim, era o abrigo da 3ª secção de caçadores que permanecia na margem esquerda do rio, guardando as viaturas. Repare-se na posição do Cabo BOLRÃO: está a chamar a atenção das crianças para que olhem para o fotógrafo - era o seu lado perfeccionista de fazer as coisas. E as crianças estão com a maior compostura!
Aqui já eram mais de meia dúzia e já havia uma sombra com ramos de árvore sobre espeques. O 1º Cabo 350/RD, Bolrão, o 1º Cabo 1576/60, Monteiro e o soldado Tancredo, foram os primeiros professores
Em breve o número de rapazes cresceu. Não havia local minimamente satisfatório para recolher os alunos. Inicialmente debaixo da árvore, depois foi uma palhota pequena e mais tarde, um espaço maior, tudo construído por improvisação e iniciativa dos militares
Enquanto uns davam início à construção de um espaço compatível com o número de alunos que se previa crescer a curto prazo..........
....outros continuavam a tarefa de ensinar as crianças a conviver e a brincar, nos tempos livres, que entremeavam com a aprendizagem do português e outras disciplinas escolares
Entre os 7 e os 15 anos de idade, o número de alunos depressa cresceu até atingir as oito dezenas. Oitenta e quatro, foi exactamente o número máximo de alunos da escola.
Inicialmente estas crianças não sabiam uma palavra em português, mas a dinâmica imposta pelo 1º Cabo Bolrão e sua equipa, foi tal que, em breve, todos entendiam e se faziam entender na língua de Camões. O entusiasmo era tal que alguns alunos mais fervorosos, chegaram a "bater" em colegas que insistiam em falar a sua língua materna, para que falassem português. Foi comovedor ver um rapaz mais crescido de seu nome TCHINHAMA a incitar, até com alguma violência, de imediato reprimida, outro mais pequeno, com a seguinte invectiva: "andgica puto!", isto é "fala português!".
Além dos progressos na língua, falada e escrita, foram notáveis os progressos na aritmética e na ginástica.
Quanto à aritmética, verificou-se que, ao fim de cerca de 9 meses, tantos foram os que os 2º e 3º Pelotões permaneceram em Lumbala, a maior parte dos 84 alunos (número máximo atingido), ficaram a saber não só as 4 operações aritméticas, mas adquiriram sólidos conhecimentos sobre números decimais e fraccionários, executando facilmente as quatro operações com estes números.
Foi um autêntico êxito, o que a equipa do 1º Cabo Branco Bolrão conseguiu em tão pouco tempo.
Relativamente à ginástica: era um prazer ver a escola masculina actuar em exercícios de ginástica, com movimentos correctos e sincronizados, que faziam inveja a uma experimentada classe de ginástica muito evoluída.
A esse tema dedicaremos o próximo post..